Papa Léguas

"Tudo o que se refere ao homem é dotado de contingência"... Vidal de La Blache (geógrafo)

3.6.05

"Latitude zero" - Miguel Sousa Tavares

"(...) O paradoxo é que só uma Europa mais forte e com objectivos novos, com uma política externa e de defesa comum, pode dar resposta aos novos desafios globais. Essa Europa poderia começar a formar-se a partir da Constituição - bem ou mal feita, incompleta ou completa demais, mal ou bem defendida perante os eleitores, Mas não será seguramente feita perante a paralisia e a indecisão ou pelo reflexo de autoprotecção, de cada um por si, face a um mundo hoje definitivamente mais incerto e menos seguro, conforme a história da União nos tem ensinado, a cada novo passo em frente na Europa - Maastricht, Schengen, Euro, alargamento a Sul e a Norte - o tão criticado voluntarismo soube sempre encontrar depois a razoabilidade necessária para consumar os avanços sem traumas. Lembrem-se do que foi o debate sobre o euro, as catástrofes que nos anunciaram com a introdução da moeda única (em Portugal inclusive, cuja moeda nada valia!) e perguntemo-nos que europeus dispensariam hoje viver sem a moeda única. A Constituição europeia podia até ser um mau passo em frente, mas a sua adopção continha sempre alternativas e soluções adequáveis casuisticamente, conforme as necessidades. Era um manifesto de intenções, todas elas aceitáveis, e um enquadramento normativo suficientemente amplo para permitir trabalhar dentro dele em direcção a uma Europa mais forte. A sua rejeição, porém, não vejo que alternativas e que futuro deixe reservado. Os defensores do "não" não sabem hoje o que fazer com a sua vitória. Mais: nem sequer sabem ou conseguem explicar o que significa a vitória, qual é a ideia de não-Europa que pode unir nacionalistas de extrema-direita a comunistas e trotskistas.
(...)
A Europa é mais importante que o nosso prórpio umbigo. E, mesmo que a Europa continue sem portugal, seria decisivo que ela continuasse. porque é o único horizonte de esperança, de cooperação, de paz, de resistência económica, de sobrevivência social e de reafirmação dos nossos valores civilizacionais, face a um mundo que em breve ser+a de novo bipolar, entre os Estados Unidos e a China. Como? Pois, isso é que ninguém sabe, a começar por aqueles que mais deviam saber: os que defenderam e defendem o "não à Constituição europeia".


Miguel Sousa Tavares, Público de 03/06/2005